domingo, 11 de agosto de 2013




Degustação:

Pavão Mysteriozo

Nunca gostei muito de novelas de televisão, mas Saramandaia, de Dias Gomes, foi uma exceção. Acho que passou em 1976, quando eu tinha uns doze anos de idade. Seu estilo era realismo fantástico, tinha personagem que voava, com asas e tudo, outra gorda que explodia de tanto comer, outra que pegava fogo de verdade de tanta excitação e outra de cujo nariz saíam formigas.
Mas o que me capturou para sempre foi a música de abertura: “Pavão Mysteriozo”, do grande músico e filósofo Ednardo. Ele não sabe, mas sua música influenciou profundamente a minha maneira de pensar, sobretudo a respeito da morte.
Em determinado trecho ele diz:
“... Me poupa do vexame de morrer tão moço, muita coisa ainda quero olhar”.
Essa frase é tão sábia que, mesmo com apenas doze anos de idade, ficou carimbada na minha mente e nunca mais saiu, para minha felicidade. Essas palavras sintetizam tudo o que eu sinto e sempre senti a respeito da morte: nunca a temi, em idade alguma e muito menos agora que já não sou mais jovem. O problema com a morte não era o medo, mas sim o vexame, a vergonha de ser levado por ela antes do tempo de amadurecer.
Achei que o Ednardo foi genial ao usar a palavra vexame para qualificar a morte ainda na juventude. Nunca ouvi nem li nada parecido. Ele captou exatamente o espírito da questão: a pessoa que suplica ajuda ao Pavão Mysteriozo é corajosa e está disposta a lutar e a enfrentar os perigos da vida, como sugere o restante da letra desta obra-prima, mas sabe que sempre existe a possibilidade de morrer na batalha, de morrer no meio do caminho, de morrer sem conseguir ficar velho. Isso seria motivo de vergonha, não de terror. Seria uma frustração perder o futuro, perder todas as coisas que ele ainda queria olhar.
Essa frase me acompanhou a vida toda desde o minuto em que a ouvi, mas ela fez muito mais sentido na véspera do meu aniversário de quarenta anos. Eu fiquei acordada esperando passar a meia-noite para ter certeza de que havia conseguido chegar aos quarenta. Já aprendi que muita coisa pode acontecer em alguns minutos e nossa vida pode mudar completamente num piscar de olhos, então quis esperar para me certificar de que eu realmente estava lá, estava viva e chegara o dia do meu aniversário; aquele minuto fantástico para mim significou uma passagem de vida: eu havia deixado a juventude. Quando os ponteiros do relógio marcaram meia-noite, senti um alívio imenso e uma felicidade que não posso traduzir em palavras, pois eu fora poupada do vexame de morrer tão moça, já que não era mais moça. Não preciso dizer que chorei muito, de tanta felicidade.
Daqui para frente, é lidar com outra perspectiva da morte, que sem dúvida está mais próxima, mas agora eu sou uma envelhescente. Depois daquele minuto mágico, a morte, quando vier, já não causará mais vexame.
É, agora estou em vantagem, pois já não tem jeito de eu morrer tão moça, mas pode ter certeza de que muita coisa ainda quero olhar!


Nunca Desista dos Seus Sonhos? – Parte II

Por falar em sonhos improváveis, eles podem ocorrer em qualquer idade e não apenas na primeira infância.
Na adolescência, aos 13 anos, fiz uma das minhas inúmeras escolhas profissionais ao longo da vida e decidi que seria chacrete quando crescesse. Foi isso mesmo que você leu! As chacretes eram aquelas moças que dançavam no programa do Chacrinha, vestidas com maiôs de paetês e calçadas com botas prateadas até a metade das coxas. Quilos de maquiagem, acessórios e cabelos volumosos completavam aquela overdose de enfeites, e as danças sensuais e desinibidas cativaram-me completamente.
Naquele momento, aquele era meu ideal de feminilidade e beleza e, como eu gostava muito de dançar, deduzi que seria a profissão ideal para mim. Não perdia um só programa do “Velho Guerreiro” e nos intervalos corria para repetir diante do espelho todas as coreografias das minhas musas. Realmente fiquei muito boa nisso. Eu praticava balé clássico e tinha facilidade para aprender qualquer dança, então foi lógica a conclusão da minha natural vocação.
Cheguei para minha mãe e disse:
— Mãe, quando eu crescer quero ser chacrete. Não vou cursar faculdade.
Ela, que era professora e formada em três cursos superiores, nada respondeu. Não fez cara de espanto, não me contrariou, nada, nada. Só falou “Hã, tá” e não prolongou o assunto.
O tempo passou. Dois anos depois, aos quinze anos, eu já havia mudado de ideia e decidi cursar medicina. Não lembro quando o Chacrinha morreu, mas acho que nessa época o programa dele nem existia mais. A profissão de chacrete só continuou a existir na minha imaginação de fã.
Novamente cheguei à minha mãe e perguntei-lhe por que ela não retrucou quando eu disse que queria ser chacrete quando crescesse. Ela, genial como sempre, apenas respondeu:
— Eu sabia que você não iria crescer!
Ficamos às gargalhadas! De fato, parei de crescer aos treze anos e tinha, no máximo, 40 quilos. Realmente não prestei atenção a este detalhe: as chacretes eram opulentas! Pequena e magrinha como eu era, jamais conseguiria esse emprego!
Mamãe era ainda mais baixinha do que eu, então ela já sabia que eu não seria nenhum mulherão, pois não tinha condição genética para isso.
Alguns sonhos devem ficar apenas no seu próprio mundo, que é a terra da imaginação, num cantinho especial e acolchoado de nosso coração e de nossas mais carinhosas memórias.



A Fonte da Juventude

“Mocidade. Mas mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.”
João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas

Os alquimistas buscavam a fonte da eterna juventude, entre outras coisinhas básicas e simples desse tipo.
Essa é a fonte que muita gente busca e, surpreendentemente, encontra com a maior facilidade. Na verdade a fonte da juventude nem precisa ser procurada, ela é dada de graça a todos. Não existe nada oculto e misterioso neste mundo e tudo está tão revelado, tão óbvio, na nossa frente, tudo pronto para o uso. Nós é que não conseguimos enxergar ou ler direito a vida e, às vezes, confundimos as coisas.
É na fonte da juventude que a maioria das pessoas mergulha, porém elas se esquecem de que essas águas estão sempre fadadas a diminuir, ou seja, essa é a fonte que seca a cada dia e quem permanecer nela ficará desidratado e morrerá de sede. Talvez o melhor seja realmente descobrir e identificar essa fonte, mas para sair dela o mais rápido possível!
Parece-me melhor e mais garantido mergulhar o quanto antes na fonte da velhice, pois essa é a fonte cujas águas aumentam com o passar do tempo. Nela você estará seguro. Nunca haverá sede e sempre haverá água em abundância; seu corpo não se ressecará e sempre será refrescado; se a fonte encher demais, você terá tempo suficiente para aprender a nadar; se for água demais para você, compartilhe-a com os outros; quanto mais velho você estiver, mais água brotará da sua fonte e será bom que os jovens sedentos venham beber daquilo que você puder oferecer.
Quanto mais cedo aceitarmos a velhice e mergulharmos na sua fonte, menos o tempo nos ressecará. Não brigue com o tempo e ele não brigará com você; desafie-o e você será destruído, pois não existe rejuvenescimento; o tempo que passa não volta exatamente igual e isso é uma das maiores sabedorias do universo.
Pense no pior momento da sua vida, no acontecimento mais trágico e doloroso. Existem na vida alguns minutos que nós achamos que nunca passarão ou que nós não sobreviveremos a eles. Mas nós sobrevivemos, o tempo ameniza a dor das feridas e voltá-lo significaria sofrer pelas mesmas coisas, exatamente da mesma maneira. Eu não quero isso! Acho que seria um dos piores castigos que a vida poderia nos dar. Entendo que nós, seres humanos, não aguentaríamos; não somos tão fortes assim. Já que a vida tem dificuldades, pelo menos que não sejam repetidas, afinal estamos no mundo para progredir.
Alguém poderia argumentar que precisamos lembrar ou rever nosso passado para compreender seu significado e aprender coisas para o futuro, e com isso eu concordo totalmente, mas vejam que esse tipo de atitude é totalmente diferente de querer voltar no tempo, seja por qual motivo for: rejuvenescer, consertar algum erro, evitar uma tragédia e assim por diante.
Concordo que a vida é cíclica, que tudo que vivemos e fazemos permanece em nós, e esses atos sofrem metamorfoses ao longo da nossa vida, retornando periodicamente sob formas variadas, mas muitas coisas boas e más se repetem, quem sabe porque sejam nossa missão, talvez para nos ensinar algo ou para serem corrigidas. O fato é que o passado e o futuro estão sempre em nós, ao mesmo tempo.
Vamos aceitar o passado como uma aquisição, como o tempo que já é nosso, o tempo que já vivemos e que ninguém nos tira mais.
Com a memória podemos passear à vontade nesse tempo passado e mudar o significado de várias coisas que já aconteceram, mas principalmente mudar nosso sentimento em relação a elas. Só assim podemos mudar o passado em nós, e é isso o que importa, é isso que pode aliviar nossas dores.
Na vida só existem duas certezas: a morte e o tempo que passou. Essas são nossas duas garantias, as únicas coisas que temos como certas. Por que então não as usarmos como referências firmes para nossas vidas? Por que as pessoas evitam tocar nesses assuntos se eles são os nossos dois maiores presentes recebidos? São as duas referências mais válidas e sólidas, diante das quais tudo se relativiza e que nos fazem ver com maior clareza o que é ou não essencial para nossa existência.
Por que considerar o tempo que passou como aquele que não temos mais, quando na verdade esse é o único tempo que realmente temos, pois é o que já vivemos e ninguém mais pode tirá-lo de nós? Não sabemos se teremos tempo futuro, ninguém sabe se vai morrer amanhã, mas todo mundo que hoje está vivo sabe que estava vivo ontem. Até o presente minuto você teve sua vida, mas o futuro não nos pertence.